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quarta-feira, 29 de setembro de 2010
ELEIÇÕES 2010
terça-feira, 28 de setembro de 2010
Kiriku e a Feiticeira (parte 1/8)
sábado, 25 de setembro de 2010
Quem tem raça é cachorro
João Ubaldo Ribeiro
No domingo passado, citei aqui a frase de meu amigo e conterrâneo Zecamunista que hoje uso como título. Ele de fato diz isso, como eu também digo, nas conversas intermináveis havidas com amigos desde a juventude, quando nos ocorre a felicidade de revê-los. Coroas meio ou bastante chatos, compreendemos quando os mais novos nos cumprimentam com a possível afabilidade, depois mantendo prudente distância. Portanto, a maior parte de nossas conversas não passa mesmo do papo de dois velhotes irresignados e rezinguentos, que não sai, e geralmente não deve ou não precisa sair dali, pois costuma ser algo sem o qual ou com o qual tudo permanece tal e qual, como sentenciava minha avó Pequena Osório, a respeito de meus livros.
Mas, no caso, quando estamos ameaçados de ver consagrada nas leis do país a divisão do povo brasileiro entre raças, acho que devemos fazer o nosso papo transcender os limites do Largo da Quitanda, a ágora da Denodada Vila de Itaparica, onde hoje vultos menores, como Zeca e eu, ocupam com bem pouco brilho o lugar de tribunos da plebe legendários, commo Piroca (Piroca é um apelido para Pedro, do Recôncavo Baiano; não tem nada demais, é um fenômeno que atinge o nome “Pedro” de forma curiosa; quer ver, pergunte a um amigo americano o que quer dizer Peter, com P minúsculo) e Zé Honorina, este negro pouco misturado com branco, aquele mulato. Zé, aliás, um dos homens mais inteligentes, argutos e eloqüentes que conheci — e cito o que se segue como um dado interessante — não tinha muita noção de que era negro e uma vez me pediu explicações sobre “negritude” e “irmandade” entre negros, conceitos que lhe eram pelo menos parcialmente estranhos.
Mas vou deixar e nariz de cera e de vaselina, porque creio que o assunto merece ser tratado na grossura mesmo, como vem sendo por muita gente, em todas as faixas de opinião. Quem tem raça é cachorro (em inglês, breed, não race), gente não tem raça. Não vou repetir porque qualquer um com acesso ao Google pode se encher de dados sobre isto, os argumentos científicos que desmoralizam a raça como conceito antropologicamente irrelevante e equivocado, sem apoio algum entre os que estudam a genética humana. Entretanto, o atraso da espécie (ou raça) humana leva a que continuemos a lhe emprestar importância desmedida e irracional, odiando por causa dele, matando por causa dele e até ameaçando o planeta por causa dele. De qualquer forma, incorporando o conceito de raça a seu sistema jurídico, o Brasil estará dando um ridículo (mas de conseqüências possivelmente temíveis, ou no mínimo indesejadas) passo atrás, mais ou menos côo se o Ministério da Saúde consagrasse a geração espontânea de micro-organismos como fonte de infecções.
Mais ridículo e até grotesco é que os defensores do reconhecimento das “raças” que compõem o povo brasileiro façam isso depender de uma declaração ou opção da pessoa racialmente classificada, até meso em circunstâncias nas quais essa opção pode não ser honesta, mas apenas de conveniência, como nos casos, já conhecidos, de gente que se considerava branca declarar-se negra para obter a vaga destinada a um “negro”. Ao se verem num mato sem cachorro para definir a raça de alguém, exceto copiando manuais nazistas e tornand oGobineau e Gumplovicz autores clássicos para a formação de nossos cientistas sociais, médicos, dentistas, músicos, atletas e profissionais de outras áreas onde as diferenças de aptidão ou fisiologia são “visíveis”, assim como era visível a superioridade dos atletas de Hitler que o negro Jesse Owen botou um chinelo, os defensores de cotas raciais se valeram desse recurso atrasado, burro, grotesco e patético em sua hipocrisia básica. Não há como defender critério tão estapafúrdio e destituído de qualquer fundamento.
Outra coisa, chata, enquanto vemos o Brasil querer botar na letra da lei, o que outros países onde houve e há até mesmo apartheid, como nos Estados Unidos, não só de ontem como ainda hoje, apesar do presidente Obama, fazem força para retirar, é a persistência do que eu poderia chamar de síndrome de Mama África, contra a qual quem eu mais vejo protestar são escritores amigos meus de países africanos, que não agüentam mais ser embolados num mesmo pacote como “africanos”, transformando em folclore disneylano a enorme complexidade cultural de um continente como a África. Burrice falar em “cultura africana”, “comida africana” e similares, em vez de pluralizar essas entidades, porque são plurais. Além disso, nada mais racista e simplório do que achar que os negros são “irmãos”. Os negros são irmãos entre si, ou seja irmãos em Cristo, tudo bem. Mas o racismo contra si mesmo de muitos que se acham negros insiste em que há essa irmandade. Documentos escravagistas do Segundo Império, no Brasil, recomendavam que se mantivessem escravos de nacionalidades diversas na mesma senzala, porque muitos se odiavam ou desprezavam entre si mais do que ao opressor. Quem já viu um alemão racista olhar um polonês (eslavo, que curiosamente tem a mesma origem que “escravo”) sabe o que estou dizendo. Desumaniza-se o negro, tornando-o imune à baixeza de seus companheiros de humanidade (mas não de raça). Isto, claro, é outra asnice desmentida pelos fatos ontem e hoje. Ontem, quando mercadores negros de escravos vendiam outros negros por eles mesmos escravizados; hoje, quando negros continuam a escravizar negros e a guerrear entre si, exatamente como os homens de outras raças, o que lá seja isso, desgraça de atraso de vida na cabeça das pessoas, triste exemplo de um país misturado pela graça de Deus querer jogar no lixo esse dom inestimável e irreproduzível, “modernizando-se” pela condenação por vontade própria ao que a História não o condenou.
Publicado em O Globo de 05/04/09
terça-feira, 21 de setembro de 2010
ÁFRICA: "NÃO SE TRATA SOMENTE DE GARANTIR A SEGURANÇA ALIMENTAR, MAS SIM DE EXPORTAR"
África: "Não se trata somente de garantir a segurança alimentar, mas sim de exportar", diz Kofi Annan Qua, 08 de Setembro de 2010 11:48 Africanos - Noticias da África
O ganense Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU, é presidente do conselho da Aliança para a Revolução Verde na África (AGRA).
Le Monde: Quais são as perspectivas para a agricultura africana?Kofi Annan: O crescimento demográfico exige que se produzam mais alimentos. Mas é preciso, antes de tudo, mudar a mentalidade: não se trata somente de garantir a segurança alimentar da África, mas também de poder exportar. O setor privado tem um papel importante: é preciso poder fornecer aos camponeses sementes melhoradas, transformar produtos para levá-los ao mercado, ser capaz de armazená-los por muito tempo. O importante é que os camponeses possam satisfazer suas próprias necessidades, e vender seus excedentes no mercado.
Le Monde: Mas quase 300 milhões de africanos nem conseguem saciar sua fome. Qual é a solução?Annan: No Mali, pesquisadores desenvolveram um sorgo que rende 4 toneladas por hectare no lugar de um. O governo está totalmente engajado em transformar a agricultura do país. Existe uma rede de 150 lojas que fornecem sementes, adubos e ferramentas agrícolas, evitando assim que os camponeses tenham de percorrer grandes distâncias para se abastecerem. Acredito que essa combinação de pesquisa, vontade política e boa organização do mercado se propagará. A irrigação também será desenvolvida.
Se agirmos sobre todos esses fatores, não há razão para que não aconteça uma revolução verde na África. Mas uma condição essencial é a vontade política. Isso está começando a acontecer: onze governos africanos estão investindo 10% ou mais de seu orçamento na agricultura.
Le Monde: Não são muitos...Annan: Isso se espalhará. Muitos africanos estão se dando conta de que não se trata somente de garantir a segurança alimentar, mas também de criar empregos e de limitar o êxodo rural. A responsabilidade dessa situação também é do Banco Mundial, que não investiu na agricultura durante vinte anos. Isso começou a mudar há dois anos.
Le Monde: Uma proteção alfandegária é necessária para sustentar os pequenos camponeses africanos?Annan: Na Europa e nos Estados Unidos, os agricultores são amplamente subvencionados pelos governos. O mesmo deveria acontecer na África. Acredito que o protecionismo, por princípio, corrompe o mercado e cria problemas. Mas para ajudar os camponeses africanos, certas medidas podem ser necessárias.
Le Monde: O que o sr. pensa sobre os transgênicos?Annan: Na AGRA utilizamos os métodos convencionais de melhoria das plantas. A adoção dos transgênicos depende da escolha dos países. Na Europa, em geral eles não são aceitos. O mesmo acontece na África.
Le Monde: A África poderá superar o problema da mudança climática?Annan: No Mali, fiquei muito surpreso com o conhecimento que os camponeses têm da mudança climática. Percebi que eles já a estão sentindo, e que já começaram a se adaptar. Mas é preciso que os economistas e os pesquisadores trabalhem realmente com eles, senão não conseguiremos transformar a agricultura africana.
Tradução: Lana LimFonte: UOL
Leia materia completa: África: "Não se trata somente de garantir a segurança alimentar, mas sim de exportar", diz Kofi Annan Portal Geledés
domingo, 19 de setembro de 2010
A Tradição Ioruba
A tradição ioruba é, entre as culturas africanas importadas durante o tráfico negreiro, a que os brasileiros melhor compreendem ou, em muitos casos, a única que parecem considerar relevante.
Entenda o que é a Camada Pré-Sal
A chamada camada pré-sal é uma faixa que se estende ao longo de 800 quilômetros entre os Estados do Espírito Santo e Santa Catarina, abaixo do leito do mar, e engloba três bacias sedimentares (Espírito Santo, Campos e Santos). O petróleo encontrado nesta área está a profundidades que superam os 7 mil metros, abaixo de uma extensa camada de sal que, segundo geólogos, conservam a qualidade do petróleo.
Vários campos e poços de petróleo já foram descobertos no pré-sal, entre eles o de Tupi, o principal. Há também os nomeados Guará, Bem-Te-Vi, Carioca, Júpiter e Iara, entre outros.
Um comunicado, em novembro do ano passado, de que Tupi tem reservas gigantes, fez com que os olhos do mundo se voltassem para o Brasil e ampliassem o debate acerca da camada pré-sal. À época do anúncio, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) chegou a dizer que o Brasil tem condições de se tornar exportador de petróleo com esse óleo.
Para termos de comparação, as reservas provadas de petróleo e gás natural da Petrobras no Brasil ficaram em 14,865 bilhões (barris de óleo equivalente) em 2009, segundo o critério adotado pela ANP (Agência Nacional do Petróleo). Ou seja, se a nova estimativa estiver correta, Tupi tem potencial para até dobrar o volume de óleo e gás que poderá ser extraído do subsolo brasileiro.
Estimativas apontam que a camada, no total, pode abrigar algo próximo de 100 bilhões de boe (barris de óleo equivalente) em reservas, o que colocaria o Brasil entre os dez maiores produtores do mundo.
Fome diminui pela primeira vez em 15 anos
São 98 milhões de famintos a menos. Segundo o estudo da ONG Action Aid, o Brasil é o país que mais combate a fome.
Mazela de muitos, vergonha de todos. A fome, em pleno século XXI, com tanto avanço tecnológico, ainda é um dos maiores, senão o maior problema do planeta. Mas nesta terça-feira (14), felizmente, recebemos uma boa notícia. Pela primeira vez em 15 anos, o número de subnutridos no mundo diminuiu.
GLOBO.COM Edição 14/09/2010 – Publicado em 14/09/2010 – 18h01Os dados são da FAO, agência da ONU que cuida de agricultura e alimentação. São 98 milhões de famintos a menos. Mas segundo a FAO, os números ainda são inaceitáveis e estão muito abaixo das metas ideais.
A redução da fome pela primeira vez em 15 anos é consequência da retomada do crescimento da economia e da queda no preço de alimentos. E o Brasil está bem na foto.
Segundo outro estudo, da ONG Action Aid, o Brasil é o país que mais combate a fome, entre as 28 nações medidas pelo ranking da organização. Mas nem tudo é o ideal. Mesmo com a redução de 9,6% do total de subnutridos, o número de pessoas com fome no mundo continua “inaceitavelmente alto”, segundo a FAO: 925 milhões.
O estudo da ONU diz que ainda estamos longe do objetivo estabelecido pelas metas do milênio. A intenção era reduzir pela metade o número de vítimas da fome no mundo até 2015. E uma da saída é investir na agricultura para reduzir o preço dos alimentos, ampliar os programas de assistência social, gerar renda nas áreas rurais e urbanas pobres, além de criar programas mais ágeis para socorrer as populações que ficam vulneráveis em horas de crise.
sábado, 18 de setembro de 2010
terça-feira, 14 de setembro de 2010
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
A Revolução de 30
A Revolução de 1930, que pôs fim à Primeira República, foi, para muitos historiadores, o movimento mais importante da história do Brasil do século XX. Na Primeira República, o controle político e econômico do país estava nas mãos de fazendeiros, mesmo se as atividades urbanas eram o pólo mais dinâmico da sociedade. Entre 1912 e 1929, a produção industrial cresceu cerca de 175%. No entanto, a política econômica do governo continuava privilegiando os lucros das atividades agrícolas. Mas, com a crise mundial do capitalismo em 1929, a economia cafeeira não conseguiu manter-se. O Presidente Washington Luís (1926-1930), com algumas medidas, tentou conter a crise no Brasil, mas em vão. Em 1929, a produção brasileira chegava a 28,941 milhões, mas só foram exportados 14, 281 milhões de sacas, e isto num momento em que existiam imensos estoques acumulados.
O maior partido de oposição ao partido republicano de Washington Luís era a Aliança Liberal. Era liderado pelo então governador do Rio Grande do Sul, Getúlio Dorneles Vargas. Mesmo sendo apoiado por muitos políticos que tinham sido influentes na Primeira República, como os ex-presidentes Epitácio Pessoa e Artur Bernardes, seu programa apresentava um certo avanço progressista: jornada de oito horas, voto feminino, apoio às classes urbanas. A Aliança Liberal foi muito influenciada pelo tenentismo, que foi um movimento de jovens militares que defendiam a moralização administrativa e cujo slogan era “representação e justiça”. Nas eleições de 1930, a Aliança Liberal perdeu, vencendo o candidato republicano Júlio Prestes. Mas, usando como pretexto o assassinato do aliancista João Pessoa por um simpatizante de Washington Luís, João Dantas, Getúlio Vargas e seus partidários organizaram um golpe que, em outubro de 1930, tirou Washington Luís do poder. Getúlio Vargas tomou posse do governo no dia 3 de novembro 1930, data que ficou registrada como sendo o fim da Primeira República.
No início de seu governo, com a centralização do poder, Vargas iniciou a luta contra o regionalismo. A administração do país tinha que ser única e não, como ocorria na República Velha, ser dividida pelos proprietários rurais. Muitas medidas que tomou “no plano econômico financeiro não resultaram de novas circunstâncias, mas das circunstâncias impostas pela crise mundial”². O Brasil dependia demais do comércio do café para que o novo presidente o abandonasse. Para controlar a superprodução e a crise no Brasil, Vargas mandou destruir todos os estoques de café. Mesmo, com a crise mundial, conhecida como “crash de 1929”, houve uma intensa aceleração do desenvolvimento industrial. Entre 1929 e 1939, a indústria cresceu 125%, enquanto na agricultura o crescimento não ultrapassou 20%. Esse desenvolvimento deu-se por causa da diminuição das importações e da oferta de capitais, que trocaram a lavoura tradicional em crise, pela indústria. Mas, foi a participação do Estado, com tarifas protecionistas e investimentos, que mais influiu nesse crescimento industrial. Diferentemente do que ocorreu na República Velha, começaram a surgir planos para a criação de indústrias de base no Brasil. Esses planos realizar-se-iam com a inauguração da usina siderúrgica de Volta Redonda em 1946.
A partir de 1930, a sociedade brasileira viveu importantes mudanças. Acelerou-se o processo de urbanização e a burguesia começa a participar cada vez mais na vida política. Com o progresso da industrialização, a classe operária cresceu muito. Vargas, com uma política de governo dirigida aos trabalhadores urbanos, tentou atrair o apoio dessa classe que era fundamental para a economia, pois tinha em mãos o novo motor do Brasil: a indústria. A criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 1930, resultou numa série de leis trabalhistas. Parte delas visava ampliar direitos e garantias do trabalhador: lei de férias, regulamentação do trabalho de mulheres e crianças.
Todo esse processo de desenvolvimento, no Brasil, foi acompanhado por uma verdadeira revolução cultural e educacional que acabou garantindo o sucesso de Vargas na sua tentativa de transformar a sociedade. Como disse Antônio Cândido, “não foi o movimento revolucionário que começou as reformas [ do ensino]; mas ele propiciou a sua extensão para todo o país”³. Em 1920, reformas promovidas separadamente por Sampaio Dória, Lourenço Filho, Anísio Teixeira e Fernando Campos já buscavam a renovação pedagógica. A partir de 1930, as medidas para a criação de um sistema educativo público foram controladas oficialmente pelo governo. Esta vontade de centralizar a formação e de torná-la acessível aos mais pobres ficou clara com a criação do Ministério da Educação e Saúde em novembro de 1930. Seu primeiro ministro foi Francisco Campos (1930-1932). Com a difusão da instrução básica, Vargas acreditava poder formar um povo mais consciente e mais apto às exigências democráticas, como o voto, e uma elite de futuros políticos, pensadores e técnicos. Em 1931, o governo decretou a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas públicas. Esta aproximação entre Estado e Igreja também foi marcada pela inauguração, a 12 de outubro de 1931, da estátua do Cristo Redentor no Corcovado. O historiador Boris Fausto afirmou que a Igreja, em troca, “levou a massa da população católica a apoiar o novo governo”4. Em relação ao ensino superior, o governo procurou estabelecer as bases do sistema universitário, investindo nas áreas de ensino e pesquisa. Foram contratados jovens professores europeus como Claude Lévy-Strauss que se tornaria, mais tarde, o criador da antropologia estruturalista.
Além de haver um desenvolvimento educacional, houve uma verdadeira revolução cultural em relação à República Velha. O modernismo, tão criticado antes de 1930, tornou-se o movimento artístico principal a partir do golpe de Vargas. A Academia de Letras, tão admirada antes, não tinha mais nenhum prestígio. A cultura predominante era a popular que, com o rádio, desenvolveu-se por todo o Brasil. Como analisou Antônio Cândido, “nos anos 30 e 40, por exemplo, o samba e a marcha, antes praticamente confinados aos morros e subúrbios do Rio, conquistaram o país e todas as classes, tornando-se um pão-nosso quotidiano de consumo cultural”5.
No entanto, foram os intelectuais partidários da Revolução de 1930, como Caio Prado Júnior, quem tiveram um papel essencial no processo de desenvolvimento cultural do Brasil. Sérgio Buarque de Holanda, com Raízes do Brasil principalmente, influenciou muito o desenvolvimento do nacionalismo no Brasil. Em este ensaio, Sérgio Buarque de Holanda buscou entender como se fez o processo da formação do Brasil como nação. Analisou a história desde a chegada dos ibéricos à América até os anos 1930. Este livro, como apontou Antônio Cândido, formou a mentalidade de muitos estudantes a partir de 1936, quando foi publicado6. Nesse livro, Sérgio Buarque de Holanda não só analisa o passado mas também dá os objetivos brasileiros para o futuro, principalmente no último capítulo do livro ( Nossa Revolução).
Raízes do Brasil demonstrou que a independência do Brasil não se fez em 1822, pois a formação de uma nação não só se devia entender em relação à administração. O Brasil, para o autor, só seria independente quando não houvesse mais marcos, a não ser o passado, da era colonial. O retrato que Sérgio Buarque fez do livro é extremamente comparativo e psicológico. O conceito de “homem cordial”, que estudou em seu quinto capítulo, caracterizou o brasileiro como tendo uma personalidade única, diferente da dos europeus. Mas, como disse, “com a simples cordialidade não se criam os bons princípios”7. Por isso, defendeu tanto a industrialização e a centralização do poder, pois eram características da era pós 30
Sérgio Buarque de Holanda, com Giberto Freyre, formavam uma nova ala de intelectuais inovadores do Brasil. São os fundadores da Universidade de Ciências Sociais do Brasil e são os pioneiros dos movimentos nacionais e a favor da democratização da sociedade. Raízes do Brasil, mas também outros livros como Casa-Grande e Senzala de Gilbetro Freyre, quebra com todos os pensamentos expostos antes da Revolução de 1930. Como aponta Renato Ortiz, “o que era mestiço torna-se nacional” 8. Na República Velha, como o mostra Os Sertões de Euclides da Cunha, todas as raças que não fossem brancas eram inferiores. Mas, com suas obras, o entendimento popular da escravidão transformou-se muito. Sérgio Buarque de Holanda entende que não adianta mais separar o mundo em classes. Mas uni-las para formar uma nação.
Vem daí a crítica dos sociólogos dos anos 30 aos movimentos integralistas (fascismo brasileiro) e comunistas. Nisto ele foi importantíssimo para a Revolução de 1930 pois os grupos extremistas já estavam bem fortes e, com sua obra-prima, queriam até tomar o poder. Mesmo não sendo oficialmente marxista, sua análise do processo histórico que abriria, no futuro, a total independência do país em relação à agricultura e à Europa.
domingo, 5 de setembro de 2010
Guerra dos Canudos
O episódio foi fruto de uma série de fatores como a grave crise econômica e social em que encontrava a região à época, historicamente caracterizada pela presença de latifúndios improdutivos, situação essa agravada pela ocorrência de secas cíclicas, de desemprego crônico; pela crença numa salvação milagrosa que pouparia os humildes habitantes do sertão dos flagelos do clima e da exclusão econômica e social.
Inicialmente, em Canudos, os sertanejos não contestavam o regime republicano recém-adotado no país; houve apenas mobilizações esporádicas contra a municipalização da cobrança de impostos. A imprensa, o clero e os latifundiários da região incomodaram-se com uma nova cidade independente e com a constante migração de pessoas e valores para aquele novo local passaram a acusá-los disso, ganhando, desse modo, o apoio da opinião pública do país para justificar a guerra movida contra o arraial de Canudos e os seus habitantes.
Aos poucos, construiu-se em torno de Antônio Conselheiro e seus adeptos uma imagem equivocada de que todos eram "perigosos monarquistas" a serviço de potências estrangeiras, querendo restaurar no país o regime imperial, devido, entre outros ao fato de o Exército Brasileiro sair derrotado em três expedições, incluindo uma comandada pelo Coronel Antônio Moreira César, também conhecido como "corta-cabeças" pela fama de ter mandado executar mais de cem pessoas na repressão à Revolução Federalista em Santa Catarina, expedição que contou com mais de mil homens. A derrota das tropas do Exército nas primeiras expedições contra o povoado apavorou o país, e deu legitimidade para a perpetração deste massacre que culminou com a morte de mais de seis mil sertanejos. Todas as casas foram queimadas e destruídas.
Canudos era uma pequena aldeia que surgiu durante o século 18 às margens do rio Vaza-Barris. Com a chegada de Antônio Conselheiro em 1893 passou a crescer vertiginosamente, em poucos anos chegando a contar por volta de 25 000 habitantes. Antônio Conselheiro rebatizou o local de Belo Monte, apesar de estar situado num vale, entre colinas.
A situação na região, à época, era muito precária devido às secas, à fome, à pobreza e à violência social. Esse quadro, somado à elevada religiosidade dos sertanejos, deflagrou uma série de distúrbios sociais, os quais, diante da incapacidade dos poderes constituídos em debelá-los, conduziram a um conflito de maiores proporções.
Antônio Vicente Mendes Maciel, apelidado de "Antônio Conselheiro", nascido em Quixeramobim (CE) a 13 de março de 1830, de tradicional família que vivia nos sertões entre Quixeramobim e Boa Viagem, fora comerciante, professor e advogado prático nos sertões de Ipu e Sobral. Após a sua esposa tê-lo abandonado em favor de um sargento da força pública, passou a vagar pelos sertões em uma andança de vinte e cinco anos. Chegou a Canudos em 1893, tornando-se líder do arraial e atraindo milhares de pessoas. Acreditava que era um enviado de Deus para acabar com as diferenças sociais e com a cobrança de tributos. Acreditava ainda que a "República" (então recém-implantada no país) era a materialização do reino do "Anti-Cristo" na Terra, uma vez que o governo laico seria uma profanação da autoridade da Igreja Católica para legitimar os governantes. A cobrança de impostos efetuada de forma violenta, a celebração do casamento civil, a separação entre Igreja e Estado eram provas cabais da proximidade do "fim do mundo".
A escravidão havia acabado poucos anos antes no país, e pelas estradas e sertões, grupos de ex-escravos vagavam, excluídos do acesso à terra e com reduzidas oportunidades de trabalho. Assim como os caboclos sertanejos, essa gente paupérrima agrupou-se em torno do discurso do peregrino "Bom Jesus" (outro apelido de Conselheiro), que sobrevivia de esmolas, e viajava pelo Sertão.O governo da República, recém-instalado, queria dinheiro para materializar seus planos, e só se fazia presente pela cobrança de impostos. Para Conselheiro e para a maioria das pessoas que viviam nesta área, o mundo estava próximo do fim. Com estas idéias em mente, Conselheiro reunia em torno de si um grande número de seguidores que acreditavam que ele realmente poderia libertá-los da situação de extrema pobreza ou garantir-lhes a salvação eterna na outra vida
A primeira reação oficial do governo da Bahia deu-se em outubro de 1896, quando as autoridades de Juazeiro apelaram para o governo estadual baiano em busca de uma solução. Este, em novembro, mandou contra o arraial um destacamento policial de cem praças, sob o comando do tenente Manuel da Silva Pires Ferreira. Os conselheiristas, vindo ao encontro dos atacantes, surpreenderam a tropa em Uauá, em 21 de novembro, obrigando-a a se retirar com vários mortos. Enquanto aguardavam uma nova investida do governo, os jagunços fortificavam os acessos ao arraial.
No Rio de Janeiro, a repercussão da derrota foi enorme, principalmente porque se atribuía ao Conselheiro a intenção de restaurar a monarquia. Jornais monarquistas foram empastelados e Gentil José de Castro, gerente de dois deles, assassinado. Em abril de 1897 então, providenciou-se a quarta e última expedição, sob o comando do general Artur Oscar de Andrade Guimarães, composta de duas colunas, comandadas pelos generais João da Silva Barbosa e Cláudio do Amaral Savaget, ambas com mais de quatro mil soldados equipados com as mais modernas armas da época. No decorrer da luta, o próprio ministro da Guerra, marechal Carlos Machado Bittencourt, seguiu para o sertão baiano e se instalou em Monte Santo, base das operações.
O primeiro combate verificou-se em Cocorobó, em 25 de junho, com a coluna Savaget. No dia 27, depois de sofrerem perdas consideráveis, os atacantes chegaram a Canudos. Após várias batalhas, a tropa conseguiu dominar os jagunços, apertando o cerco sobre o arraial. Depois da morte de Conselheiro (supõe-se que em decorrência da desinteria), em 22 de setembro, parte da população de mulheres, crianças e idosos foi colocada à disposição das tropas federais, enquanto um último reduto resistia na praça central do povoado.
Em tal momento de rendição, há relatos de que foi instituída, suspeitadamente por oficiais de baixa patente do exército, o que se denominou de pena da "gravata vermelha" - execução sumária de prisioneiros já subjugados, que eram posicionados de joelhos e degolados. Estima-se que parte da população civil rendida, que ainda não havia sido dizimada pela fome e pelas doenças no arraial, e não somente os prisioneiros combatentes, tenha sido executada dessa forma por tropas federais, o que constituiu num dos maiores crimes já praticados em território brasileiro.
O arraial resistiu até 5 de outubro de 1897, quando morreram os quatro derradeiros defensores. O cadáver de Antônio Conselheiro foi exumado e sua cabeça decepada a faca. No dia 6, quando o arraial foi arrasado e incendiado, o Exército registrou ter contado 5.200 casebres.
Consequências da Guerra dos Canudos
Fonte: Só História
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
O islamismo no continente africano
Depois do Oriente Médio, do subcontinente indiano e do sudeste asiático, a África se constitui numa quarta região que, apesar de menos importante no passado muçulmano, vem adquirindo cada vez mais relevância no contexto do chamado mundo islâmico.
O número de muçulmanos na África é na atualidade estimado em mais de 300 milhões, cerca de 27% do total dos seguidores da religião criada pelo profeta Maomé.
A islamização no continente africano se difundiu muito mais pelo comércio e pela migração do que por conquista militar. A expansão do islã na África seguiu três direções: do noroeste do continente (região do Magreb), ela avançou pelo Saara e alcançou a África Ocidental. A segunda direção foi aquela que, partindo do baixo para o alto vale do Nilo, chegou ao nordeste da África (península da Somália e arredores). Por fim, comerciantes originários da porção sul-sudoeste da Península Arábica e imigrantes do subcontinente indiano, criaram assentamentos no litoral do Índico e, dali, difundiram a presença muçulmana para o interior.
O islamismo fez sua entrada no continente a partir da África do Norte, do Egito ao Marrocos, sendo uma das primeiras regiões a ser conquistadas pela expansão inicial árabe-islâmica (séculos VII e VIII).
Dos séculos X a XVI, mercadores muçulmanos contribuíram para o surgimento de importantes reinos na África Ocidental, que floresceram graças ao comércio feito por caravanas que, atravessando o Saara, punham em contato o mundo mediterrâneo ao das estepes e savanas do Sudão Ocidental e África centro-ocidental. A conversão de certos monarcas africanos fez não só o islã avançar como criou uma florescente cultura. Assim, cidade de Tumbuktu (no atual Máli) era, no século XIV, um núcleo urbano conhecido pelo alto nível de suas escolas islâmicas, que atraíam muçulmanos de várias partes do mundo.
Na porção oriental do continente, comerciantes árabes conseguiram se fixar junto ao litoral do Índico, levando a gradual conversão de grupos africanos que viviam em áreas da atual Eritréia e do leste da Etiópia. Todavia, os reinos cristãos do alto vale do Nilo conseguiram bloquear por séculos o avanço muçulmano, como foi o caso dos grupos etíopes, ocupantes dos altos planaltos da Etiópia. Nos séculos seguintes, a cultura árabe-muçulmana influenciaria grupos bantos que estavam em processo de expansão para a África oriental e meridional.
Paralelamente, comerciantes árabes cruzaram o Oceano Índico e criaram, do Chifre da África ao atual Moçambique, um conjunto de importantes cidades-Estado e fortalezas, junto ao litoral e nas ilhas, cujo comércio de ouro se manteve até o início da presença portuguesa no século XVI. Às vésperas do início da colonização européia, o islã se constituía na principal presença "importada" no continente, presença esta que já estava fortemente integrada às sociedades africanas.
O islã na África após 1800
Uma nova fase da islamização no continente iniciou-se no século XVIII, fenômeno que coincidiu com o auge da época escravista. Embora a servidão já existisse em várias sociedades da África Ocidental, a captura de seres humanos acelerou, a ponto de surgirem, no litoral do Golfo da Guiné, novos "Estados", como o Daomé (atual Benin) e Ashanti (atual Gana), como resposta à crescente procura por escravos que eram enviados, em sua maioria, para servir como mão-de-obra nas plantations da América tropical.
As armas de fogo que os mercadores de escravos ganhavam em troca dos seres humanos apresados facilitavam novas capturas que contribuíram para dizimar populações inteiras. Ao mesmo tempo, esse perverso processo transformou os grupos caçadores e mercadores em uma nova elite. Parte dos escravos vendidos eram muçulmanos e foi através deles que surgiram os primeiros núcleos islâmicos nas Américas. Na África Oriental, os escravos capturados eram, em sua maioria, “direcionados” para o Oriente Médio.
No século XIX, o impacto colonial mudou profundamente o quadro existente até então. Colonialistas europeus - franceses e britânicos, além de belgas, italianos e portugueses – criaram e consolidaram impérios concorrentes que puseram fim aos "Estados" islâmicos independentes. Os ingleses, que até o século anterior haviam sido os principais organizadores do tráfico negreiro, passaram a impor o seu fim e, onde foi possível, aboliram a escravidão. A diminuição do comércio de escravos trouxe conseqüências negativas para as elites escravistas muçulmanas, desestruturando as estruturas estatais existentes.
A Grã Bretanha concentrou suas energias colonizadoras no projeto geopolítico de manter um domínio territorial contínuo, "do Cairo (Egito) até a cidade do Cabo (África do Sul)", eliminando eventuais "Estados" muçulmanos que estavam no caminho. Por outro lado, em algumas áreas da África Oriental, os britânicos promoveram a vinda de trabalhadores rurais muçulmanos originários das Índias britânicas para regiões das atuais Uganda e África do Sul.
A evolução do colonialismo nas regiões da África muçulmana, gerou uma situação paradoxal: ao mesmo tempo em que os muçulmanos perdiam poder político, o islamismo teve um crescimento sem precedentes. Tribos inteiras se converteram. Isso ocorreu no contexto das rápidas transformações socioeconômicas engendradas pela colonização.
A urbanização e o enfraquecimento das tradições familiares e sociais, bases fundamentais das culturas africanas, geraram um ambiente conturbado que beneficiou o islã, religião que combina o universalismo de sua mensagem com uma ideologia de clara oposição ao Ocidente imperialista. Aliás, é essa combinação que explica, em grande medida, a condição do islamismo ser, na atualidade, a religião com o maior ritmo de crescimento em todo o mundo.
Fonte: Clube Mundo