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quinta-feira, 12 de julho de 2012

FAMÍLIA DE SANTO E EDUCAÇÃO

Por Makota Valdina Pinto

A primeira referência de uma família de santo (família de candomblé) é o
terreiro a que alguém pertence,ou seja, quem é a mãe ou o pai do terreiro, as
suas origens, as pessoas envolvidas na sua feitura (iniciação) e por aí vai até
chegar a uma origem mais remota e assim também se chegar aos traços
étnicos que predominam na determinada família e que a identificam como
sendo de determinada nação.
Cada terreiro, mesmo tendo sua própria dinâmica, suas próprias
características, à medida que mantém traços, valores (posturas,práticas
relacionadas à essência, linguagem, ritos, rezas, cantigas, formas de
transmissão...) que o identificam com as suas origens com grupos
antecessores e formadores da sua essência, contribui para a manutenção da
identidade de sua família de santo, bem como elementos, valores que
remetem a um grupo étnico africano remoto. A dinâmica e reconstruções
conforme a realidade de cada geração não deve jamais alterar a essência base
do grupo pois, assim estará alterando a sua identidade e contribuindo para a
perda de uma identidade remota.
O processo de Iniciação, na realidade, deve ser visto como um processo de
educação e educação para a vida, para viver no mundo em qualquer tempo,
para interagir com qualquer grupo a partir do seu viver no seu grupo familiar da
sua interação com o seu grupo.
Até poucas décadas atrás famílias negras que viviam em pequenas
comunidades, hoje transformadas em bairros, mantinham na base da educação
familiar e da comunidade traços, valores oriundos de comunidades tradicionais
africanas. Do nascer ao morrer, na alegria ou na tristeza, levantando casas de
taipa, fazendo adobes no terreiro em frente das casas ou nos quintais para
suspender as paredes, consertando as ladeiras, comemorando as datas
festivas, religiosas, a ação das/dos mestras/mestres e aprendizes lá estava
sendo passada no cotidiano dos grupos familiares, no grupo da comunidade.
A hierarquia, o respeito, a solidariedade, a importância dos mais velhos bem
como dos mais novos como continuação do grupo, do que ali se vivia lá estava.
Guardando-se as devidas medidas de participação observando-se uma
hierarquia implícita e o respeito aos mais velhos, todos agiam e interagiam a
partir do lugar em que ocupava na família, na comunidade; filhos e pais, irmãos
mais novos e irmãos mais velhos, os mais antigos na comunidade e os mais
novos. Os jeitos de resolver os conflitos (o “aquieta acomoda”) na família, na
comunidade... Enfim, tudo, mas tudo mesmo denotava um jeito de viver que
muito tinha de negro, que era diferente... E isso, lá nos idos do final dos anos
40 passando pelos 50 e começo dos 60, para mim vivendo no mesmo lugar até
hoje (Engenho Velho da Federação) parece até que foi ontem...
Na década de 70, já adulta, sendo professora de escola primária e apesar de
ter vivido desde criança num ambiente da prática do candomblé passei
realmente a fazer parte desse grupo ao ser confirmada como makota num dos
terreiros dessa comunidade e foi aí que me dei conta dos muitos jeitos que
enquanto comunidade (bairro) tínhamos perdido ou estávamos perdendo, mas
que enquanto grupo, comunidade de candomblé, apesar de também estar
sofrendo influência de jeitos externos, ainda podia-se encontrar e ainda se
encontra esses jeitos de viver, de fazer as coisas que remetem à minha
infância, à minha juventude.
Hoje é claro que vivemos uma outra realidade, os tempos são outros, os
valores, o conceito de família dentro da nossa sociedade muito longe estão dos
nossos negros jeitos, dos nossos negros valores, dos nossos negros
conceitos. E esse é o grande desafio que a família de candomblé, a meu ver,
hoje enfrenta: Diante dos modelos e caminhos, valores e conceitos impostos
pela sociedade em que vivemos, manter a nossa essência os nossos modelos
e caminhos, valores e conceitos compatibilizando-os com a realidade em que
hoje vivemos.
Ser mãe ou pai de uma família de santo hoje, no meu entendimento, exige
muito mais que antes já que hoje não estamos isolados, vivendo nos nossos
guetos, em comunidades que de certo modo eram extensões dos terreiros.
Hoje, estamos agindo, interagindo nos terreiros e ao mesmo tempo dentro da
sociedade, queiramos ou não. Quem somos nós hoje no terreiro? Quem somos
nós hoje na sociedade? Até que ponto temos o controle da base da educação,
dos valores que nossas crianças, os nossos jovens recebem? Ainda que
insistamos em sinalizar em apontar valores nos quais acreditamos, podemos
competir com a mídia, com as instituições que aí estão a mostrar o contrário?
Diante do quadro em que estamos inseridos, as comunidades dos terreiros têm
que iniciar para o viver hoje não só transmitindo o legado das tradições
recebidas, mas educando para viver esse legado fora do ambiente do terreiro,
bem como trazer para o ambiente do terreiro as questões que nos aflige e que
é parte do nosso cotidiano dentro da sociedade em que vivemos a fim de
buscarmos saídas, caminhos de solução.

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