Você encontra aqui conteúdos da disciplina História e Cultura Afro- Brasileira para estudos e pesquisas, como também, assuntos relacionados à Política, Religião, Saúde, Educação, Gênero e Sociedade.
Enfim assuntos sobre o passado e sobre nosso cotidiano relacionado à História do Brasil e do Mundo.








Seguidores


Visitantes

segunda-feira, 23 de julho de 2012

O TRÁFICO LINGUÍSTICO

Por Régia Mabel da Silva Freitas – UCSal [1]



A influência africana na Língua Portuguesa Brasileira é bastante significativa. A quantidade de línguas faladas das senzalas às casas-grandes era vasta: quimbundo, quicongo, umbundo, hauçá, jêje, iorubá ou nagô entre outras. Infelizmente, há muitos equívocos e preconceitos nos estudos sobre os étimos da África. O vocábulo africanismo, por exemplo, é inadequado e simplista uma vez que não indica o grupo étnico de que provêm os aportes lexicais.

Os dialetólogos e lexicólogos que apresentam esta inadequação vocabular supracitada contribuem para o mito da homogeneidade lingüística africana. Deste modo, além de projetar o estereótipo de a África ser uma mera massa de terra indiferenciada e uniforme, pautando-se em preconceitos e vagas informações que excluem as diversidades étnicas, políticas, sociais e culturais, não tratam de maneira igualitária as culturas ágrafas e as escritas deste continente tão rico e plural.

Segundo Costa e Silva (1992, p.38), "a África é rica em diversidade, fraciona-se em incontáveis culturas e fala numerosíssimos idiomas". O autor utiliza duas classificações distintas para abordar o multiligüismo, a saber: os cinco grandes grupos de Westermann (semítico, camítico, sudanês, banto e sã ou san) e as quatro famílias de Greenberg (afro-asiática, níger-cordofaniana, nilo-saariana e khoisan ou coissã). Estas línguas negroafricanas interpenetraram-se no nosso português nos âmbitos morfológicos, sintáticos e lexicais.

Segundo Yeda Castro (1980), esta interação foi facilitada por semelhanças entre esses dois sistemas lingüísticos, principalmente, nos espectros fonéticos:

Depois de quatro séculos de contato direto e permanente de falantes africanos com a língua portuguesa no Brasil, esse processo de interação linguística, apoiada por fatores favoráveis de ordem sócio-histórica e cultural, foi provavelmente facilitado pela proximidade relativa da estrutura linguística do português europeu antigo e regional com as línguas negroafricanas que o mestiçaram. Entre essas semelhanças, o sistema de sete vogais orais (a, e, ê, i, o, ô, u) e a estrutura silábica ideal (CV.CV) (consoante vogal.consoante vogal), onde se observa a conservação do centro vocálico de cada sílaba e não há sílabas terminadas em consoante.

A autora, ainda nesta obra, apresenta duas semelhanças: o nosso sistema vocálico quase coincide com o do iorubá e o do grupo ewê e, com exceção da nasal silábica, a vogal é sempre centro de sílaba. Além disso, elenca também algumas substituições que os falantes brasileiros realizam em oposição ao português lusitano quando optam por étimos africanos de origem banto no emprego de certas palavras, como benjamim (caçula), dormitar (cochilar), insultar (xingar), óleo-de-palma (dendê), aguardente (cachaça) entre outras.

Ao aportarem aqui no Brasil, os negros, literalmente, soltaram a língua! Mesmo imersos num processo de aculturação, criaram identidades diaspóricas através de analogias linguísticas para compartilhar experiências através de provérbios africanos e inventar códigos linguísticos de defesa. Em Casa-Grande & Senzala, Gilberto Freire (1973, p. 331) acrescenta que as palavras foram amaciadas e amolecidas ao contato da criança com a ama negra reduplicando-se (dodói, pipi...) e alguns antropônimos foram dissolvidos e transformados em apelidos como Antônia (Toninha, Totonha...) e Francisco (Chiquinho, Chico...).

No âmbito lexical, estimam-se mais de trezentos vocábulos de origem africana. Das mais diversas línguas que o tráfico nos legou, baseando-se na etnografia do negro no Brasil, podemos dizer que o fluxo banto (línguas quimbundo, quicongo, umbundo...), da extensão sul da linha do Equador, e os sudaneses (línguas iorubas ou nagôs, ewê, fon ou gbe...), do oeste africano ao norte da linha do Equador, teve um papel particularmente importante na história da nossa Língua Portuguesa Brasileira.

Yeda Castro (1980) considera o negro banto o maior agente modelador da nossa língua e seu difusor por todo o território brasileiro sob o regime colonial e escravista. Paul Teyssier (1997) afirma que, no Brasil, o quimbundo aparece no vocabulário mais geral (molambo, moleque...) ou no universo dos escravos em seu modo de vida e suas danças (mocambo, samba...). Por outro lado, o iorubá está na base de um vocabulário relativo às cerimônias do candomblé (babalorixá, Xangô...) ou à cozinha afro-brasileira (vatapá, acarajé...).

Antônio Risério (1988) ratifica esta assertiva quando diz que as
formas verbais iorubanas mantêm-se no campo litúrgico dos cultos afro-brasileiros. Este autor ainda acrescenta que o banto encontra-se difuso e diluído na Cidade da Bahia e, no plano lexical, ele é audível em terreiros de candomblé congo-angola, nas composições carnavalescas dos blocos afros e até mesmo em um mero diálogo nas ruas da cidade.

Maria Luna (2007, p. 5) corrobora ao afirmar que "a nação Angola, origem banto, adotou o panteão dos orixás iorubas e chama os nomes de suas divindades bantos". Acrescenta também que as nações jêje-mahin (Ba) e jêje-mina (Ma) derivam suas tradições e língua ritual do ewê-fon, ou jêjes, como eram chamados pelos nagôs. É importante salientar que a língua fon ainda contempla organizações sócio-religiosas, objetos sagrados, cozinha ritualística, cânticos, expressões referentes a crenças, costumes específicos, cerimônias, ritos litúrgicos e saudações, como "agô" (licença) e "axé" (saudação e estilo musical baiano, a axé music).

Yeda Castro (2001, p. 121) também relacionou alguns aportes lexicais contemporâneos, ligados ao candomblé (axé...) e alguns antigos relacionados a:

Escravidão: banzo, mucama, viramundo;
Fauna: acanga, caçote, calunga, caranguji;
Flora: andu, dendê, moranga, maxixe, jiló;
Alimentação (comidas e bebidas): mungunzá, moqueca, aluá, cachaça;
Casa, habitação, família: cafua, cubata, senzala, babá;
Doenças: caxumba, tunga;
Usos e costumes: cafuné, cochilo, calundu, dengo;
Religião, candomblé: macumba, inquice, orixá, Zambi, Oxóssi, Exu, peji;
Crenças e superstições: quizila, tutu, zumbi, mandu;
Objetos fabricados: quibando, munzuá, muxinga, moringue, caçamba;
Instrumentos musicais: timbau, marimba, cuíca, berimbau, agogô;
Recreação: samba, maxixe, lundu;
Ornamentos e vestes: miçanga, balagandã, tanga, canga;
Referentes ao corpo e funções de comportamento, equivalentes a gírias,
porém considerados chulos e imorais: cabaço (hímen), binga (pênis), tabaco
(vulva), languenza (clitóris), toba (ânus), xibungo (pederasta) e mengá
(copular).
Analisar a influência das línguas africanas na Língua Portuguesa Brasileira ratifica a importância desse povo guerreiro e profícuo na formação cultural brasileira. Sendo assim, a lingüística, uma ciência colaboradora nos estudos Brasil/ África, também comprova que os negros do além-Atlântico não apenas contribuíram, mas constituíram a brasilidade.

REFERÊNCIAS

CASTRO, Yeda Pessoa de. Os falares africanos na Bahia: um vocabulário afrobrasileiro. 1. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2001.

_______. Os falares africanos na interação social do Brasil Colônia. Salvador, Centro de Estudos Baianos/UFBA, nº 89, 1980.

COSTA E SILVA, A. A enxada e a lança - A África antes dos portugueses. 1. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Nova Fronteira, 1992.

FREIRE, G. Casa Grande e Senzala. 1. ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1973.

LUNA, M. Instituto da palavra. Disponível em: <www.institutodapalavra.hpj.ig.com. br/culturaemfoco/01.htm>. Acesso em: 14 ago. 2007.

RISÉRIO, A. Bahia com "H" – uma leitura da cultura baiana. In: REIS, J.J. Escravidão e invenção da liberdade. 1. ed. São Paulo: Cia das letras, 1988.

TEYSSIER, Paul. História da língua portuguesa. 1. ed. São Paulo: Martins fontes, 1997.

 [1] Graduação em Letras Vernáculas (UCSal), Especializações Lato Sensu em Novas Abordagens no Ensino de Língua Portuguesa (UNIFACS), Novas Tecnologias da Comunicação e Informação (UNEB) e Ensino da Cultura Afro-brasileira (UNIFACS) e Stricto Sensu como Aluna Especial dos Mestrados Educação e Contemporaneidade (UNEB) em Novas Tecnologias, Educação a Distância e Língua, Cultura e Escola e Políticas Sociais e Cidadania (UCSal) em Políticas de Educação e Cidadania. E-mail: mabelfreitas@bol.com.br.

Um comentário: